30.7.06

Entrelinhas; entreluzes...

Há algo a ser dito e as palavras para tal expressão não foram construídas. A sutileza que ronda a realidade despertada é quase nada de matéria conhecida. Entretanto a força com que me pressiona a alma é tanta, que surpreende-me não gerar novos códigos capazes de materializá-la.
Vou ficar assim impedida de buscar o recurso da linguagem; vou fazer a ronda ao que sinto, protegê-lo do inimigo que pode destruí-lo na tentativa de dizê-lo. É da sua natureza não ser dito, correndo o risco de morrer, se confinado nas palavras.
Algo se amplia de tal forma que expande os instrumentos de percepção usados até agora. Vou embora, então, e fico nos espaços reservados ao que não se fala. Respiração, coração, olhares e sentimentos... Tudo é pouco pra o momento. Reinvento-me no éter. Alguma coisa recebe o sopro do universo. Não quero nem tentar dizer pra não perdê-la, pra ficar perto.

29.7.06

VERMELHO...


Vermelho, porque é vida, porque convida ao que é novo e belo. Vermelho porque inflama, porque traz chama ao desbotado tempo. Vermelho porque acorda, dá corda aos sonhos, faz despertar. Vermelho, porque tem cheiro, porque derrama o que está preso e desinflama a alma. Vermelho, porque a calma só vem depois que sangra, depois que irrompe, depois que chama à sedução.Vermelho porque tem tom, porque tem som e tem paixão.
Vermelho é o que recomendo pra sair do tédio. Vermelho em doses variáveis de acordo com o momento. Vermelho : um doce veneno pra o "mais ou menos"; um santo remédio pra sair do armário, pra se olhar no espelho, pra pintar os lábios e soltar a voz. Vermelho pra queimar, pra amar , pra viver. Vermelho pra se abrir pro mundo, pra dar sim à vida, pra quebrar padrão. Vermelho, mesmo sem razão pra "envermelhecer", mesmo sem saber, mesmo sem querer. Porque a vida arde e o coração tem pressa. Porque a cor que fica pode colorir o que se foi no vento e fazer nascer no velho, um novo momento cheio de força e energia como o vermelho...

27.7.06

Fora de mim: dentro de mim


ICorro e ninguém percebe. Algo em mim corre em busca de algo que nem eu mesma sei, mas quero. Promessa de um encontro entre mim e minha alma.Sinto que ela me chama impacientemente e fico a criar espaço para ouvir o seu chamado.
Estou com o coração aos saltos. Sou invadida por tremores de uma estrutura que está ruindo juntamente com o nascimento de uma luz: a minha luz.
Sigo a luz, caminhando externamente pelos mesmos caminhos , porém dou saltos sutis e infinitos, solto gritos, dou desmaios, morro e ninguém sabe...! Falam com um fantasma de mim sem se darem conta! Estou morta.Estou mais viva do que nunca, sou rodeada por seres encantados e a vida normal segue seu curso. Pareço igual. Pareço a mesma. Pareço normal. Pareço certeza. Não sou! O que eu pareço não comporta mais quem sou, por isso eu corro! A velocidade vai desintegrando essa aparência inadequada pra a loucura dessa busca.
Estou correndo. Não me procurem. Não estou para ninguém por enquanto. Só para mim mesma.

23.7.06

Lambendo os beiços

Comida boa que me alimentou a alma e continua a parir mais e mais alimentos dentro de mim. Depois de ouvir tamanha beleza meu coração fica se sentindo agasalhado por muito tempo. Quando o frio for mais desesperador tenho bastante lenha pra queimar e ficar olhando as figuras do fogo dançando ao som da voz da alma de Rubem Alves. É assim que estou me sentindo: atendida nas minhas necessidades básicas, como um bebê faminto que encontrou o "peito de Clotilde"( acho que foi esse o nome da professora do caso contado por ele) . É incrível o que um ser humano pode despertar num outro, principalmente se o terreno já estiver adubado. Há algum tempo que o adubo da poesia de Rubem Alves tem contribuído pra tornar o meu "jardim secreto" mais florido, mais bonito. Como uma criança eu vibrei com o "brinquedo" à minha frente; um brinquedo que, de forma leve e consistente confirmou em mim um caminho que escolhi seguir e o enfeitou com uma vivência rica e sensível da arte de ser gente. Minha criança interna aguçou todos os sentidos pra escutar a voz de um mestre conectado com o divino que há em si mesmo e, nas suas antropofágicas palavras, devorei-o deliciosamente.
Rubem Alves é o que as palavras não definem e, acho que por ele saber da incompletude da linguagem pra definir o que é sutil, vive brincando com ela para aproximá-la o máximo da fluidez dos sentimentos. Pra entendê-lo é preciso abrir a alma e o coração, pois só assim se poe fazer a leitura das entrelinhas, daquilo que mesmo sem nos darmos conta, nos transforma.
Eu aqui, simples mortal, tento, desajeitadamente, traduzir um sentimento de uma criança diante do seu tão desejado brinquedo; tento expressar o que é ter uma fome satisfeita com o alimento preferido. É muito mais que isso. Não sei dizer. Tô lambendo os beiços.

17.7.06

Dentro de mim

Portas fechadas. Guardo-me agora do que vem de fora. Nada me alcança. Olhos fechados, alma acordada pra tudo o que é meu. Preencho-me de singularidades como quem armazena alimentos pra uma longa temporada de seca, de escassez. Entretanto sei que tudo é imagem ilusória; tudo é passagem diante do salto que me lança ao meu destino. Mas por um desatino humano acredito que sofro, acredito que morro, que chegou o fim. Troco de casca e, enquanto não posso exibir uma pele mais diáfana, sinto-me esquisita, sem definições como uma adolescente. A receita é clara, simples e, aparentemente fácil: fechar os olhos, respirar, me entregar à mudança e deixar o grande mágico agir sem que eu interfira. Não sei quanto tempo levará. Não sei o que virá, mas com certeza será mais leve, será mais limpo. Menos uma casca, mais uma parte de uma verdade que se chama EU.

15.7.06

TOME, TOME, TOME!


Por excesso de bagagem, causando problemas de coluna e desvio de estrada, estou devolvendo umas tralhas que, por negligência, por paciência, impotência, insuficiência de consciência e outras congruências, andei pegando ao longo do caminho. Estou devolvendo o olhar triste, o coração pesado, o julgamento, os sonhos errados que se transformaram em pesadelos. Não quero também a bobice de aceitar tudo pra ser boazinha, a cara de santinha, as falas comedidas, as destrambelhadas... O que é demais é sobra, já dizia a minha mãe. Não quero mais as sobras, os restos, as doenças, os remédios, o tédio e o "tudo certo como dois e dois são cinco". Devolvo os rótulos, as definições que me amarram, os "afetos" que engessam, os melindres, os sutis venenos das conversas cotidianas. Estou entregando os produtos falsificados, os passados da validade, os de qualidade duvidável. Autenticidade é o antídoto pra tanta intoxicação acumulada na alma por todo esse tempo.
Por perceber que a vida é mais fácil pra quem carrega bagagens leves, pra quem leva o essencial, o que realmente é útil, estou me desfazendo de medos, preconceitos, verdadezinha metida a besta, frases feitas, alma desfeita, competições ferinas, neosaldinas e todas as "inas" para dores de cabeça. Não quero mais tanta cabeça, preciso de espaço para o coração. Estou tirando o excesso de razão, de arrogância, de complicação, pra ver se consigo ir mais longe, se consigo cansar menos e perder menos tempo pra arrumar bagulhos, pra trocar sapatos, pra afastar os ratos e baratas dos meus trapos.
Estou entregando o apego ao passageiro pra dar lugar ao que é eterno; tudo o que é áspero para viver o que é terno, tudo o que é amargo pra provar a doçura e a alegria de estar viva, de estar construindo-me sem tantos pesos, sem condições pré-estabelecidas. Deixo espaço para os imprevistos, o improvável, o fora de hora...Redireciono para todas as direções, reciclo em todas as dimensões e o meio ambiente agradece pela minha humilde contribuição.

14.7.06

Sábia Idade

Entrei no consultório e, confesso que, internamente, tive uma certa resistência à imagem daquele homem que nos atendia. A impressão preconceituosa, entretanto, se desfez ao primeiro contato. Aquele homem idoso tinha um sorriso doce, um falar simples e tranquilo e comunicava-se bem com três pessoas de idades bem diferentes, de maneira gentil, competente e segura. Enquanto ele indagava as nossas razões de estar ali e, imediatamente examinava com cuidado, atenção e carinho, eu pensava no quanto a nossa cultura desvalorizava o idoso.
Estava diante de um homem de 82 anos, exercendo a medicina com o que ela tem de melhor. Ele sabia que o contato afetuoso e cuidadoso do médico com o seu cliente era o primeiro remédio para a cura. Ali, diante dele, percebi que, muitas vezes, eu é que fui velha, achando-me incapaz de realizar determinada coisa, colocando dificuldades, obstáculos para atingir os meus objetivos. Velhos somos todos quando não percebemos o quanto temos a aprender com os nossos idosos, o quanto agimos de maneira desrespeitosa em relação àqueles que construíram a nossa história e continuam a atuar corajosamente, mesmo quando sofrem preconceitos de maneira sutil, como o que eu tive, e explícita, tendo os seus direitos negados como se fossem incapazes sociais. Pois é...
Esse médico nos atendeu de uma forma que nunca mais tinha visto em outros, a não ser no pediatra que acompanha meus filhos desde que nasceram. Fomos tratar de problemas na pele. Ele é dermatologista. Ele entende de pele, de gente, de toque, de ser humano.Ele tem 82 anos de sabedoria. Ao sairmos ele disse ter sido um prazer nos conhecer e que estaria a nossa disposição, caso fosse preciso, e não era da boca pra fora, mas de coração aberto, como um curador de verdade deve ser.

11.7.06

Sabendo quem sou

Por um triz não nos perdemos nas definições alheias. Por um triz não nos deixamos levar por movimentos que não são os nossos. A única defesa para isso é ficar bem perto de nós mesmos, saber quem somos verdadeiramente, pra não nos deixarmos levar por ventos e águas que não são as nossas . Pensei nisso quando me calei diante de um momento que poderia ter me levado pra um lugar que não seria o escolhido conscientemente por mim, mas por uma emoção desenfreada, movida por algo que não me pertencia. Estou escolhendo escolher sempre o que me serve e o que não me serve, o que é meu e o que é do outro e pra onde eu quero ser levada. Descobri a pouco tempo que deixar-se levar para onde não se quer ir para agradar não tem nada a ver com amor, mas com falta de amor próprio.
Interessante também, é perceber que tal atitude não significa que se está abandonando o outro à sua própria sorte, mas sim devolvendo o que lhe pertence para que ele, com o seu pacote de emoções nas mãos, possa ter a possibilidade de descobrir-se, sem os suportes oferecidos ilusoriamente, pela falta de auto estima de alguém. Não é fácil, mas necessário para se crescer. A casa balança, falta o chão, mas às vezes essa é a única forma de fazer alguém voar. Sinto que estou voando, estou desamarrando a alma, estou libertando sonhos. É um processo sutil, apenas eu percebo, mas sei que irá repercutir em todos os aspectos da minha vida. A principal razão para isso é o fato de hoje estar sabendo mais quem sou, o que quero, o que não aceito mais de forma alguma.
Contudo, caminho com cuidado nos caminhos de parceria, pois em todo processo é imprescindível que haja o amor, para que não nos tornemos ásperos, egoístas e insensíveis aos processos alheios. O amor tem que ser o ponto de partida, a estrada e o ponto de chegada, e nessa caminhada nós nunca estamos sozinhos. Muitas vezes, é o outro o catalisador, o guia, o mestre. Saber quem sou me dá também a dimensão do que o outro é, e de que eu e o outro somos um.

9.7.06

MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS

Há uma parte de nós, mulheres, que permanece forte e saudável, conectada com a sua verdadeira essência e propósito de vida. É essa parte que nos sinaliza quando ando algo está nos violentando, nos distanciando do que somos verdadeiramente. Essa verdadeira face é a que nos faz olhar o espelho e dizer: basta! chega! É essa parte que nos faz arrumar as malas, bater a porta e ir embora pra sempre do que nos faz infeliz, ou ficar, mudar as coisas de lugar, enfeitar a casa com flores, colocar uma música alegre e dançar...
Essa mulher íntegra, saudável, forte é a "Mulher Selvagem" de quem nos fala Clarissa Pinkola Estés no seu maravilhoso livro MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS. Um livro que toda mulher deveria ler para se conhecer melhor e todo homem deveria ler para conhecer o universo feminino, inclusive o seu próprio. "Através da interpretação de 19 lendas e histórias antigas..., a autora identifica o arquétipo da Mulher Selvagem ou a essência da alma feminina, sua psique instintiva mais profunda. E propõe o resgate desse passado longínquo, como forma de atingir a verdadeira libertação." A mulher que se permitir essa viagem, nunca mais será a mesma, pois o livro tem um efeito terapêutico profundo, que nos faz identificar as nossas partes feridas e buscar a cura. Posso dizer que foi e está sendo o melhor processo de cura da alma que vivenciei, tamanho é o seu poder.
Numa sociedade onde o poder feminino tem sido tratado de forma tão equivocada e aberrativa, se faz necessário um resgate do verdadeiro poder da mulher, que não está vinculado ao culto excessivo ao corpo, a seios siliconizados e sexo desvinculado de sentimento. Clarissa nos desperta para a nossa proteção natural, para a nossa força natural, para o nosso ser íntegro e puro: "Tendo a Mulher Selvagem como aliada, como líder, modelo, mestra, passamos a ver, não com dois olhos, mas com a intuição, que dispõe de muitos olhos. Quando afirmamos a intuição, somos, portanto, como a noite estrelada: fitamos o mundo com milhares de olhos."Amém.

8.7.06

Novo Olhar

O Campo Grande, ontem, estava vasto, grande como nunca. Foi assim que percebi quando resolvi por alguns instantes esquecer do tempo, que tem sido um algoz para mim, e simplesmente contemplar o já conhecido de um outro jeito. As flores se impunham com tamanha força que pude abandonar pressa, afazeres, racionalismos, para simplesmente perceber que tenho utilizado pouco os meus olhos de ver e os meus ouvidos de ouvir. Pássaros pareciam seres de outro planeta. Um planeta onde as pessoas compartilham a alegria da existência sem que precisem de motivos externos para isso. Um planeta onde seres estabelecem o seu tempo de acordo com as prioridades essenciais.
Perguntei-me o que tenho feito que não me disponho a usufruir da beleza que me cerca. Uma das respostas que me dei foi: a contaminação consumista nos faz acreditar que o que é bom e belo está longe de nós, precisa que nos matemos de trabalhar para que tenhamos dinheiro para alcançar os "paraísos" vendidos nas imagens de propagandas. Poi é...Ontem eu pude sentir o paraíso dentro de mim, e, dessa forma pude ter um novo olhar sobre todas as coisas dentro e fora. O tempo externo foi pouco, mas o tempo interior foi o suficiente para que firmasse um compromisso comigo mesma, com a minha alma, de não esquecer de que o bom, o bem e o belo está presente o tempo todo ao meu redor. A questão é pra onde eu direciono o meu olhar e o meu coração. Só posso expandir em minha vida aquilo onde coloco a minha atenção. Quero estar atenta a todos os vastos campos do mundo, inclusive os dos sonhos. Quero redescobrir lugares dentro e fora de mim, reconhecer a minha cidade com o que ela tem de melhor a fim de contribuir com o ambiente, tendo pensamentos e sentimentos mais leves.
O Campo Grande ontem foi palco das minhas reflexões. Várias pessoas dividiam comigo esse espaço. Muitos olhares vagos, muitos olhares firmes. Gente alegre, gente triste, crianças correndo, pessoas fotografando a beleza para poder vê-la de uma outra forma, em um outro momento. Comi pamonhas com meus filhos em frente a um senhor solitário de olhar perdido e um outro mais jovem que parecia viajar em si mesmo. Apenas a minha interpretação do que nem de longe posso desvendar. Ouvi uma criança falar da sua dificuldade de soltar-se e correr pelo grande campo da vida e fiz planos de aprender a correr para ajudá-lo a descobrir do que são capazes as nossas pernas e do que pode uma alma alcançar quando desperta. Todas as idades, todas as cores...Alguém cantando, grupos, violões, namorados...Do meu lado um moço reservado procurando um lugar escondido pra comer pamonha. Não havia. Tudo aberto, escancarado, povoado. Todos protegidos nos seus mundos internos , traduzidos pelos olhares de quem passa,;descobertos por meu novo olhar.

4.7.06

Porta Aberta

"Ah, não retires de mim a tua mão, eu me prometo que talvez até o fim deste relato impossível talvez eu entenda, oh talvez pelo caminho do inferno eu chegue a encontrar o que nós precisamos- mas não retires tua mão, mesmo que saiba que encontrar tem que ser pelo caminho daquilo que somos, se eu conseguir não me afundar definitivamente naquilo que somos."( Clarice Lispector)
Bem vindos a uma porta entreaberta, mas leve como uma pluma, fácil de empurrar e entrar, ou até mesmo cair pela ilusão de um peso que não existe a não ser em você mesmo. Não pense porém, que por não estar trancada será fácil descobrir o que se guarda atrás da porta.
A casa é grande...vasta...misteriosa...Não por desejo pessoal, mas porque não há como fugir da natureza humana: profunda,subjetiva,livre e prenhe de segredos que se guardam por si mesmos e só se revelam com a real descoberta da verdade. Qual verdade? A que desvenda a inexistência de verdades absolutas, de caminhos retos.
Entrar é estar disposto a caminhar em labirintos com a serenidade de quem possui mapas e bússolas. Por que um ser humano nunca está perdido, mesmo quando pensa que está. Tem sempre uma mão a lhe guiar. Pode ser a de um anjo, a de um Deus ou a sua própria mão segura e firme que ele nem desconfia que possui.