26.9.06

Pessoas que nos traduzem- Elisa Lucinda


Existem pessoas que nasceram com uma habilidade fantástica para manejar as palavras, de uma forma que, na busca de traduzirem-se a si mesmas, atingem em cheio a alma da gente. Afinal, somos todos uma linda unidade, ainda que pensemos que não. Lá no nosso cofre-coração guardamos os mesmos tesouros, as mesmas vontades tão humanas e divinas de dar e receber amor , de ter um colo bom pra recostar quando achamos que o mundo não nos reconheceu como queríamos, e também a doce vontade de ter um par para bailar conosco as nossas alegrias.
Elisa Lucinda é assim: uma tradutora do que vai dentro da gente, e que, muitas vezes, nos faltam as palavras pra dizer daquela forma tão especial quanto gostaríamos. Senti vontade de explorar um pouco esse universo dos que me traduzem e a escolhi para abrir caminho. Com a palavra Elisa Lucinda:
MEMÓRIA DE UM SILÊNCIO ELOQÜENTE
Para ti
sempre tive um infinito
estoque de perdão.
Só para ti
perdoei mais que suportava,
mais do que pude.
Minha cerca-limite era sem estatuto,
não tinha um não delimitando nada.
Fui perdoando assim de manada
e muitos erros desfilaram me ferindo,
nos interferindo silenciosos,
sem ninguém denunciar.

Perdoa a dor que te causei,
é que você estava há tempos me machucando
e eu não gritei.
Do livro: A fúria da beleza

21.9.06

JANELAS (aos amigos virtuais com carinho)

Quantas janelas se abriram,
e quantos olhos vejo nelas!
Tantas estradas trilhadas,
quanta tinta, quanta tela!
São paisagens variadas,
são sonhos de toda cor, mas há algo que não muda:
tudo embebido no amor.
Enxergo almas vibrantes,
envolvidas em palavras nuas,
percebo caminhos, desvios
que cruzam minha vida com a tua,
e sinto o quanto é bonito
a gente expressar o que sente
e ver de outras tantas formas
o eco do sonho da gente.

15.9.06

Interseção


Graças a ti cheguei aqui aonde estou.
Olhei-te de perto e eis que me enxergo nos teus olhos vesgos,
na tua alma torta de paixões perdidas,
de amores achados em meio a armadilhas.
Somos todos só um
e vivemos a exaltar as nossas diferenças.
E insistimos em dar valor às nossas doenças sociais.
Mas só sou porque tu és.
És o que sou e nem sabes.
Sou o que és e nem sei.
Agora que encontro os teus reflexos em meus espelhos,
admito entre surpresa e consolada,
que a humanidade nos une além da morte.
Graças a mim te reconheces único.
Graças a todos nós que levantamos a bandeira da individualidade.
Frágil individualidade que pra nada serve quando a saudade invade e nos quebra em mil pedaços de escuridão.
Desde que me enxerguei nos cacos escuros dos teus espelhos meus
vejo pontes que atravessam as mais duras barreiras dos nossos discursos preparados pra o ataque.
Quando batem os atabaques dançamos juntos as nossas alegrias mais íntimas
por termos sobrevivido às nossas guerras diárias.
E a noite, quando os nossos corpos jogam-se na cama, o nosso suspiro de alívio é ouvido no universo inteiro.
Todos suspiramos juntos o mesmo suspiro e a Terra se enche de novas forças.
Ao amanhecer várias pernas caminham em nossas pernas.
O meu andar impulsiona o teu.
O teu andar inspira os meus caminhos.
Graças a ti meus olhos sabem que não choram sozinhos.
A minha dor é salgada à minha língua, tanto quanto à tua.
Mas quando a mais profunda alegria brota no meu peito, a minha liberdade te liberta e o sorriso desponta em tua face sem que saibas o porquê.
Descobri que o fio que nos une é eterno, infinito.
Que gritamos o mesmo grito de socorro ao cosmos.
Descobri que somos parte de um só coração
E que a humanidade é a nossa interseção.

10.9.06

Tome, tome, tome!

Por excesso de bagagem, causando problemas de coluna e desvio de estrada, estou devolvendo umas tralhas que, por negligência, por paciência, impotência, insuficiência de consciência e outras congruências, andei pegando ao longo do caminho. Estou devolvendo o olhar triste, o coração pesado, o julgamento, os sonhos errados que se transformaram em pesadelos. Não quero também a bobice de aceitar tudo pra ser boazinha, a cara de santinha, as falas comedidas, as destrambelhadas... O que é demais é sobra, já dizia a minha mãe. Não quero mais as sobras, os restos, as doenças, os remédios, o tédio e o "tudo certo como dois e dois são cinco". Devolvo os rótulos, as definições que me amarram, os "afetos" que engessam, os melindres, os sutis venenos das conversas cotidianas. Estou entregando os produtos falsificados, os passados da validade, os de qualidade duvidável. Autenticidade é o antídoto pra tanta intoxicação acumulada na alma por todo esse tempo.

Por perceber que a vida é mais fácil pra quem carrega bagagens leves, pra quem leva o essencial, o que realmente é útil, estou me desfazendo de medos, preconceitos, verdadezinha metida a besta, frases feitas, alma desfeita, competições ferinas, neosaldinas e todas as "inas" para dores de cabeça. Não quero mais tanta cabeça, preciso de espaço para o coração. Estou tirando o excesso de razão, de arrogância, de complicação, pra ver se consigo ir mais longe, se consigo cansar menos e perder menos tempo pra arrumar bagulhos, pra trocar sapatos, pra afastar os ratos e baratas dos meus trapos.

Estou entregando o apego ao passageiro pra dar lugar ao que é eterno; tudo o que é áspero para viver o que é terno, tudo o que é amargo pra provar a doçura e a alegria de estar viva, de estar construindo-me sem tantos pesos, sem condições pré-estabelecidas. Deixo espaço para os imprevistos, o improvável, o fora de hora...Redireciono para todas as direções, reciclo em todas as dimensões e o meio ambiente agradece pela minha humilde contribuição.

6.9.06

A nossa criança

Somos o somatório das nossas várias experiências, dos vários tempos vividos, das dores e alegrias sentidas ao longo do caminho. Em alguns momentos fomos submetidos a uma emoção tão forte que nos fez chorar, ainda que só por dentro. E porque temos que seguir, tocamos a vida sem que deixemos evidente aquela dor. Entretanto ela existe. Aquele "eu" machucado está lá num outro tempo paralelo, precisando de ajuda, de carinho, de um resgate pra que possamos caminhar libertos das amarras de um sentimento que nos limitou em muitos aspectos da nossa vida, sem que tivéssemos consciência disso.

Em muitos casos essas vivências se deram na infância. Nessa fase em que nos construímos como pessoas, em que construímos os nossos afetos, valores, conceitos...Essa criança sem defesa ficou lá, aprisionada num dado momento, e esse adulto que hoje somos, carrega o peso de algo não resolvido e não se dá conta. Acredito que precisamos nos permitir estar em contato com a nossa criança, para que possamos, mesmo sem saber, cuidar das nossas feridas.

Brincar é a saída. Buscar atividades motoras e artísticas que provocam prazer, que produzem endorfina, que abrem espaços dentro e fora de nós. É essa criança a responsável pelo nosso humor, por nossa vontade de viver, de crescer, de alcançar as estrelas, mesmo que sejam as do nosso céu particular.

Salvemos as nossas crianças internas, para que possamos salvar as outras crianças que estão sendo obrigadas a crescer antes da hora para atender a uma sociedade doente; para atender ao nosso pedido de socorro por sermos incompetentes para lidar com elas. A nossa parte criança é a nossa parte saudável, a parte que escolhe ser feliz, apesar de tudo, mas para isso é preciso cuidar dos nossos "dodóis". Vamos lá naquele lugar onde deixamos a nossa criança machucada. Vamos cuidar dela e dizer que tudo já passou, que estamos em condições de apoiá-la para que possa seguir em paz. A nossa criança será o nosso mestre e nos abrirá as portas da alegria e da paz.

2.9.06

Sobre a alegria

Lendo uma história do livro Histórias para Aquecer o Coração dos Pais, de Jack Canfield, um ditado antigo me veio à mente: "A gente só dá valor à água depois que a fonte seca". Pensei: será que é mesmo assim? Me respondi: é assim. Aprendemos na vida através da vivência de opostos: som e silêncio, dia e noite, tristeza e alegria... É sobre a alegria que quero falar.
Só quando senti uma tristeza profunda, quando me vi privada da alegria é que pude perceber essencialmente o seu valor, a sua importância para a vida como um todo. A alegria é um preventivo para que não adoeçamos a alma e, consequentemente, o nosso corpo. E, caso isso seja inevitável, é o remédio para a restauração, um revitalizador natural. A alegria é muito mais importante que o dinheiro, pois ela cria situações de abundância que nos mantém sempre abastecidos em todos os sentidos.
Foi a alegria, mais precisamente a falta dela, que me levou a promover mudanças profundas e significativas em minha vida. Ela foi o parâmetro para que eu soubesse se o que estava fazendo era certo ou não. O certo é o que nos faz feliz, entendendo como felicidade ,não um estado de ausência de conflitos, mas um estado de capacidade de promover o equilíbrio nas situações mais difíceis, de readaptação, tendo como referência a saúde, a plenitude, a alegria, entre outras coisas, experimentadas nas fases de conforto interno.
É a alegria responsável pelo equilíbrio diante das injustiças e desigualdades. As pessoas que a cultivam reinventam a vida, revertem situações, apesar de... Não está ligada a nível sócio- econômico, cultura, satisfação plena das demandas emocionais, realização profissional e tantos outros itens, apesar de facilitar o caminho pra chegar a todos eles.
Alegria é uma questão de escolha pela afinação com o instrumento divino. Uma escolha pela vida, pelo projeto original da criação, onde está impressa a felicidade e perfeição humana. Somos frutos de um ato de criação alegre, que explodiu e expandiu em cores, diversidade, fertilidade. Temos, dentro do nosso ser, a semente luminosa da alegria e com ela podemos negar qualquer situação que nos afaste da nossa origem de seres divinos, dotados de infinita capacidade, de infinita força, perfeitos em essência, luminosos, plenos...alegres!