18.6.07

As Últimas Horas


Parece que tudo se esvai,
Mas não para o nada,
Não para sempre.
Uma pequena morte se instala
E, com o mesmo desespero de quem “para sempre” parte,
Vou-me de mim, desesperada e triste,
Por não poder ficar,
Por não conseguir fixar-me
Numa vida única,
Num repetido viver.
Mas quando vou, só eu percebo-me partindo.
Para todos eu estou, eu fico...
E, no entanto,
Debato-me na agonia das últimas horas
Que me prendem ao que,
por total impossibilidade de permanecer,
eu abandono.
E assim, em traumáticas despedidas,
Vou-me distanciando de papéis, idéias pré-concebidas, sentimentos equivocados,
Vidas e vidas que vivi...
E, nessa angústia,
Parece que tudo se vai,
Mas eu renasço e vou reconhecendo
A eternidade que escondo,
E vou me confrontando com a parte permanente de tudo,
Que na verdade é a mais flexível, maleável e bela.
É a parte que estrutura e que restaura,
Que modela e desmonta e funde,
É a parte que desvia pelas linhas retas
É a parte que por linhas tortas me conduz.
As últimas horas, como as primeiras, sempre são envolvidas pela luz.

15.4.07

Magia Pequenina

Como é esse Deus que te fez?
Por que ele não te fez de vez
Do tamanho da ternura que há em ti?
Como é teu país?
Como é que consegues nos fazer feliz
Assim tão facilmente?
Por que não existe na gente
Essa magia de poder tornar diferente
Tudo o que está triste?
Teu Deus é um mágico
Que estica o amor feito elástico
E abriga toda gente?
De onde vieste?
Que cheiro é esse que trouxeste
Que incendeia a casa de perfume
Que tonteia a alma de ilusões?
No teu mundinho os corações batem mais forte?
Não temem a morte?
Não têm sofrer?
Que mistério tens
Que me faz correr como criança
E esquecer a idade,
Que me faz ter noção do que seja felicidade?
Como é esse Deus que te fez?
Por que não existe na gente?
Porque sendo tão grandes
Não conseguimos ter tanta ternura
Pra abrigar duros instantes
E tu tão pequenino
Contém tanta ternura
Pra abrigar gente grande?
Como é que consegues nos fazer feliz
Assim tão facilmente?
Ensina pra gente essa magia
E eu te conto esse segredo:
Nós, “gente grande” somos tão carentes!

Rita Carvalho
23 de outubro de 1985

Post dedicado ao meu sobrinho: Cristiano Contreiras

21.2.07

Pelos caminhos de mim

Há dias em que quero receitas. Há outros em que as rasgo. Quero bússolas, e, logo depois, desejo ser eu mesma a minha própria direção. Pego carona nas asas dos anjos, mas preciso da terra, dos seus atalhos e desvios de perdições. Preciso perder-me, mesmo ressentindo angústias por assim estar, pois sei que é um prenúncio de grandes achados. Quando perco o chão sei que estou voando, mas não faço idéia da hora e do lugar do pouso. É sempre uma surpresa a paisagem que vou encontrar. Com todos os medos, como se fosse a primeira vez que os sinto, lá vou eu no avião divino, sentindo partir-me em estilhaços que darão lugar a uma nova pessoa, ou à pessoa que realmente sou e que um dia se revelará por inteiro.
Há dias em que quero colo. Há outros em que não há o que possa me abrigar do frio e da dor da existência. Tenho que descobrir-me colo protetor de mim, acolher-me e acalmar-me das ansiedades do viver. Minhas questões a mim pertencem e ninguém as tem que entender. Não há quem me complete. As pessoas não são pedaços que me faltam. São completas em si mesmas, com suas peças de quebra cabeças dançando em torno delas com a música da teia da vida, construída por cada uma ao seu próprio modo. Deixei também de ser pedaço; na verdade, de me portar como tal, já que não o sou verdadeiramente. Não sou um pedaço que falta em alguém. Não ocupo esse lugar na existência. Ocupo o meu lugar e sou inteira. Pulo, danço e brigo para alcançar as peças do meu quebra cabeça.
Mas há dias em que eu quero um olhar que me reconheça e que eu reconheça. Um silêncio cúmplice de quem caminha sabendo da complexidade simples desse caminhar. Uma sensação divina a contornar o humano cotidiano. Uma percepção amorosa do exercício sagrado de viver.
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Mais uma vez agradeço as visitas e o carinho, desejando a todos os amigos que a paz e a alegria permeiem sempre as suas vidas. Estou sem net em casa, por enquanto, e, por isso o tempo para visitá-los se tornou difícil, mas o coração continua conectado. Grande abraço. Aparecerei sempre que puder.

10.1.07

À flor da pele

Derretida. Assim que estou. Desmanchando-me e misturando-me com as coisas que me cercam. Desordenadamente, vou espalhando-me e perdendo as fronteiras que me dão segurança. Ultrapasso-me e temo perder-me e não mais voltar. Sou sapatos, sou rastros, sou caixas, sacolas, livros e roupas espalhadas pelo espaço. Nada faço pra esconder esse emaranhado que agora sou. Sinto as dores das coisas: a dor da porta batida, do livro jogado de qualquer jeito, dos talheres... Os barulhos falam e doem. Toco nas coisas quase sem tocar para que não se assustem; para que eu não me assuste. Tudo poderia ser mais doce e silencioso. Mas não é. Espero forças pra erguer-me num movimento mais normal; um movimento de gente que segue a rotina cegamente, sem perguntar o porquê de ser assim. Botaram porquês demais em mim. Fiquei perdida nas perguntas que fiz e nas respostas que busquei até hoje. Quero calar-me e viver apenas. Preciso urgentemente descobrir o que é viver pra mim. Andei desvivendo a minha vida. Quero-a de volta, mas agora sinto-me fraca pra buscá-la. O desafio agora é transformar esse cenário de transição em algo mais definitivo. Preciso definir para definir-me. Preciso me inserir num tempo real pra não me perder em labirintos meus.
Agora é noite. Dormir é sempre uma saída, um consolo, uma pequena morte. É sempre uma esperança o acordar, o renascer do dia, o meu renascer. Tenho esperança de que amanhã o sol há de nascer dentro de mim.

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Agradeço a todos que me visitaram e que, por força das circunstâncias, não pude ainda retribuir a visita. Aos poucos aparecerei em "suas casas" e, com imenso prazer, retribuirei a visita. Muita paz nos seus corações.