24.11.06

Em carne viva

Eu sou um cavalo qualquer
Um cavalo selvagem
feito pra seguir viagem,
mas não quer.
Sou uma mulher qualquer
De um homem qualquer
De um anjo que não me quer
Tão mundana
Nem tão pura
Nem tão sentimental
nem tão dura.
Eu não sou nada disso
do acima escrito.
Sou uma menina
Perdida numa vida de mulher;
Sou uma princesa
Perdida em meu castelo
Num século em que os príncipes
abandonaram o reino
e foram em busca de camponesas
Para terem a certeza
de que não ficariam presos em cadeiras pomposas
Em mesas bem postas
Em prato e talher.
Sou uma flor,
Uma folha,
Um fruto...
Sou um bicho dengoso
Que escorrega lá dentro
Com tanto sofrimento
Em se mostrar como é.
Eu sou agora uma menina,
Uma mulher pequenina
Com um coração apertado
Num peito carente e abandonado.
Sou uma grande menina
Que olha a vida e chora
Porque quer ficar e ir embora
Sem nem mesmo saber pra onde.
Sou uma bruxa enraivecida
Jogando pragas na vida
Salvando-me das feridas
Com meus preparados de amor.
Juro, não sei onde vou,
Não sei como eu sou.
Morro de amor, agora
e não sei por quem.
Não tenho ninguém para tocar as mãos,
Pra apertar contra o corpo
que morre perdido e só.
Sou uma mulher violentamente apaixonada pelo nada
e o nada é um homem bonito
perdido na imensidão do céu.
Seus olhos brilham azuis lá de cima
Mas quando ele me encara é a mais
profunda escuridão.
Eu sou filha de Deus,
da mãe que não me pariu
e do pai que me disse adeus.
Esse chão quase frio em que me encontro
É meu sem que eu nunca o tenha conseguido.
Por favor, mundo, pare tudo!
Alguém me escute:
eu preciso de abrigo e de limites!
Não consigo parar de escrever
e de chorar por dentro.
Está tudo escuro
O meu amor é vento.
A noite é um homem bonito
que ao me abraçar eu grito de medo!
Tenho medo de morrer por dentro
Tenho medo de não crer em nada
Tenho medo da madrugada.
Por favor, mundo, me escute.
O sapo se foi para a vida
E a princesa escondida procura
pelo alfinete na sua cabeça.
Por favor, mundo...
O espelho se quebrou com a minha falsa imagem.
Não existe mais miragem;
Há um caminho inteiro pra viagem,
Mas eu não quero ir agora.
Sou um gato procurando a almofada pela sala,
E alguém a jogou pela janela do terceiro andar.
Sou uma mulher que quer chorar
toda a água da chuva que inundou seu mundo.
Sou a criança que quer colo e tem medo do escuro;
sou a princesa perdida que quer pular do terceiro andar
atrás do gato que pulou pra buscar a almofada da sala...
...que ficou vazia.
Gritos, gritos, gritos!
Dentro do meu peito:gritos!
Nada é meu na sala,
no quarto, na cozinha...
A casa está vazia de mim,
pobre princesinha sem o seu castelo, sem o seu sapinho...
Não quero mais enlouquecer.
Quero viver essa lucidez doída
que me torna a louca do terceiro andar, do terceiro mundo, do terceiro tudo da vida.
A vida é minha, porra!
Agora a vida é minha!
Eu estou sozinha na vida, mas ela é minha!
E eu odeio esse príncipe verde, esse sapo urbano, esse castelo do século vinte!
Tenho quase trinta por mero engano
Sou uma menina que mudou de planos
pra sobreviver.
Estou aos pedaços,
E me compreendendo assim, me refaço.
Mas morro tanto, tanto, tanto
Até apodrecer e servir de alimento ao solo
Pra nascer de novo sem ser mais tão pequena.
Abro os braços, mas não abraço o mundo;
Agasalho-me somente e me desespero
por não ter por perto outros braços
que não os meus.
Meu Deus,como eu sofro!
Como sou feliz por me despir de mim
assim tão sem sentido.
Consigo me lançar no espaço;
Consigo enlouquecer e abrir os braços para o meu sorriso
que ainda não chegou.
Consigo me desintegrar e me recompor no céu que eu invento,
e, junto com anjos, entoar cânticos de liberdade.
Já é tarde e é tudo verdade o que eu escrevo.
Não penso nada;
Não poetizo nada, porque não posso.
A dor sai me rasgando.
Hora sou feliz, hora me enterro.
Minha dor tem mil faces e roda em torno de mim
me entontecendo.
Nada coordeno, e possuo o domínio
desse caos que me liberta e aprisiona.
Senhor do Universo: Eu existo!
Não sou o Cristo, mas a minha cruz me pesa,
me enverga, me desperta.
Vou embora. Já não me sirvo.
Fico com o que ficou:
tão pequena no chão da minha casa,
vendo luzes e sombras,
tendo coragem e medo,
sonhando e sofrendo...
Minha dor se acalma.
As lágrimas cessam.

Fátima Guedes canta:
"... agora esse mundo é meu."

Escrito em Janeiro de 1994

17.11.06

Voz da Alma


Às vezes eu chego a mim com tanta força que quase me rasgo o peito. Quando a voz silenciosa me alcança ela lança flechas até me atingir, me derrubar pra passar por cima de mim e falar. Eu sou o meu maior obstáculo. E a voz sabe. Sabe que precisa usar de uma força descomunal para lhe dar vez, senão ela perde todo o seu discurso, que é o sentido da vida, a razão de estar aqui. Sou de uma crueldade sem fim quando permito que essa densidade impeça a sutileza de expressar-se. Quando sucumbo, enfim, sinto depois um alívio. A voz diz o que quer e voa. Vai buscar mais elementos pra cantar a vida. Sem ela eu nada sou. O automatimo e a rotina tomariam conta de mim até me transformar num robô disfarçado de gente. Ontem fui cruel com a voz e perdi a poesia de um momento único. Ela se vinga de mim não deixando pistas, resquícios dos seus versos. Essa voz é o meu guia, o meu bálsamo, o meu porquê de suportar-me tão comum em momentos destituídos de qualquer encantamento. Ela é o protesto e o encanto. É quem destrói bravamente o mal feito, e, cheia de esperança vai recolocando as pedras da minha caótica construção.

13.11.06

Arte Íntima

Debrucei-me na janela da vida
pra contemplar o sol...
Sinto-me só, mas não sem saídas.
Sinto-me triste, mas não perdida.
Jamais perderei o rumo novamente
quando a tempestade invadir a minha alma.
Entretanto, tenho lágrimas contidas
Dores que me apertam o peito
De um jeito que parece que não suportarei.
Olho-me no espelho
pra dizer-me que já sei que tudo passa
Que o que não é essência sempre vai
Ficando apenas luz e paz.
Mas agora sinto os meus braços curtos e fracos
Para dar-me o abraço que preciso.
Algumas portas que fechei
lançaram-me no meu próprio abismo
Mas já sei que novamente as abrirei
para que entrem risos e sonhos.
Debrucei-me na janela da vida
pra buscar o sol
E ele se escondeu.
Pegarei minhas tintas e pincéis
E pintarei o meu sol.
Nunca mais ficarei sem luz.

7.11.06

Um abraço...!


Um laço,
um descanso pro cansaço,
um afago envolvente!
Braços quentes e macios,
ombros mornos,
silêncio eloquente...
Um abraço...!
Sem perguntas,
sem respostas,
sem receitas.
Um aconchego
De um colo amigo.
Isso é tudo que eu preciso
!