Há momentos em que a vida nos empurra fortemente para uma resolução, uma escolha. Normalmente isso acontece quando não estamos respeitando Ela, a própria vida, que pulsa dentro de nós e que é sinônimo de saúde, de sagrado, de delicadeza. Quando negamos a natureza divina da vida, permitindo invasões nocivas, violências explícitas ou não, a vida cobra. Cobra um olhar mais aprofundado ao que está ocorrendo, cobra um retorno ao equilíbrio, cobra a fatalidade da evolução que se faz presente quando os nossos olhos brilham diante do que estamos vivenciando, nos dando a certeza de que estamos no caminho certo. Quando, entretanto, é o contrário que acontece perdemos o brilho do olhar, sentimos a energia da vida baixar e adoecemos, entristecemos, inflamamos. Ficamos então emparedados e a vida grita: Tome uma atitude! Preserve-me!Cumpra a sua missão primordial de ser feliz, mesmo que isso implique em perdas, reviravoltas, desapegos, entre outras coisas. Quando estamos apegados ao que nos causa dor é porque já adoecemos num nível mais profundo. É a nossa alma que adoeceu e pede socorro pra se expressar. Fui emparedada pela vida. Já fiz minha escolha. Escolhi ser feliz, saudável, íntegra, amar, ser amada principalmente por mim mesma. Escolhi a vida, porque a vida é a única escolha, permanecer na dor é a morte. A morte do que sou, do que quero e do que mereço. Estou saindo do paredão pra caminhar livremente sentindo o vento batendo em meu rosto, mudando de direção quando achar que devo, buscando aliados, criando asas cada vez mais fortes e capazes de voar aonde o meu coração quiser me levar!
Desde criança sonhei em ser mãe. As crianças menores sempre mereciam a minha atenção e cuidados. Colecionava revistas especializadas e lia tudo que me caía às mãos sobre maternidade. Listava nomes em minha cabeça, pesquisava significados... Não sonhei com casamento. A figura de um homem não aparecia nos meus sonhos e não imaginei príncipe encantado, igreja, festa. Sonhava, sim, com filhos. E esse sonhar me enchia o coração de alegria. Enfim, querer ser mãe foi uma das poucas certezas que tive na vida e que perdurou até que eu realizasse, e que confirmou o quanto foi uma escolha acertada em minha vida.
Quando vi o resultado positivo, a alegria tomou-me de tal forma que não consigo explicar em palavras. Foi assim nas duas gestações. Com meus filhos descobri ainda mais o quanto a vida é preciosa. Por eles eu quis ser uma pessoa melhor, para poder passar o melhor, e esse melhor ser uma verdade, não simples palavras repetidas. Jamais desejei dizer a ninguém, muito menos a eles, faça o que eu digo e não o que eu faço. Fui às entranhas de mim, me vasculhei pra fazer do meu coração um abrigo seguro e acolhedor. Um lugar que comportasse sonhos, carrinhos, caixas de fósforos vazias, brinquedos diversos, amigos imaginários, manhas, medos, solicitações fora de hora...
Devo a eles essa faxina que me levou ao mundo dos anjos, dos seres de luz, ao meu deus interno e ao grande encontro com Deus. Sim, porque nunca recorri tanto a Deus para fazer perguntas que só um pai perfeito poderia responder. E ele respondeu a todas elas. As melhores respostas, as mais importantes vieram através da voz, dos olhos e do riso dos meus filhos. Depois deles a humanidade se tornou mais irmã pra mim. Todas as crianças se tornaram um pouco filhas também, já que tudo que acontecia a elas eu pensava que também poderia acontecer com as minhas e agia como gostaria que uma outra mãe agisse com elas caso eu não estivesse por perto. Todas as angústias de todas as mães, seus medos e anseios também eram meus. Todas se tornaram irmãs.
Meus filhos são os responsáveis por eu desejar intensamente aplicar na vida os ensinamentos de Jesus: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.
Não consigo enxergar, pelo menos em minha vida, nenhuma aventura que se assemelhe a essa de ser mãe. Porque tal exercício exige que você busque e encontre o sentido maior de ser humano, de estar aqui nesse mundo por um propósito sagrado. Torna-se urgente, após a maternidade, que o mundo melhore, que a beleza seja permanente, que as pessoas sejam mais amorosas, cuidadosas umas com as outras. As calçadas têm que ser restauradas para que as crianças possam caminhar sem risco, os espaços precisam ser mais seguros, o sol precisa brilhar e a chuva só deverá cair após as crianças estarem em casa, seguras e agasalhadas. Após a maternidade a capacidade auditiva aumenta para ouvir a respiração deles, choramingos iniciais de madrugada. O corpo passa a ter uma regulação diferente para só sentir necessidades após satisfazer as necessidades deles. Após tudo isso e mais algumas outras coisas percebemos que o nosso olhar sobre tudo já se transformou. É um olhar mais amplo que nos faz sentir as dores do mundo, que nos faz querer amenizar e até resolver assuntos de toda natureza para que nossos filhos cresçam num mundo melhor.
Devo a Gabriel e Matheus o conhecimento que tenho sobre mim mesma, a minha postura profissional mais sensível, o investimento na espiritualidade, os inúmeros livros lidos pra me compreender, compreendê-los, compreender as pessoas, o mundo enfim...
Devo os risos, as descobertas, novas linguagens, a flexibilidade e o respeito pelo que me é diferente. Gosto de estar com eles, dos nossos rituais de alimentação divertidos algumas vezes, polêmicos outros, mas sempre cheio de amor. O que sinto não cabe dentro de mim e ainda hoje me acho pequena diante da tarefa que Deus me deu, mas me esforço pra cumpri-la da melhor maneira. Às vezes olho pra eles e me emociono por vê-los hoje questionadores, inquietos, buscadores de si mesmos. São os melhores companheiros de jornada! Amo ser mãe deles!
Perdida em sutilezas Sentimentos e inspirações Não vejo razões para falar do que respiro Do que transpiro. O verbo às vezes arde Invade a carne e mata as sensações Que não se desejava materializar em palavras. Não quero me dizer a toda hora Quero apenas ser E ser percebida nos meus gestos de vida. Apenas ler os movimentos singulares Me faz viajar a lugares íntimos de um ser. Não sei muito viver nessa densidade exigida. Preciso ter esse jeito só meu Minha linguagem única de estrangeira Que levei uma vida inteira pra fazer valer.
"...eu sou de todas as misturas
todas as formas e sintonias
e enfrento esse aperto, essas normas,
forças, pressões, imposições, o poderio,
os intervalos, o silêncio da maioria".
Bruna Lombardi