O desejo é algo indomável! A imagem que me vem é a de um cavalo selvagem. Foi assim que me senti ao ler o trecho dessa carta de Clarice Lispector; desejosa de expressar e domando o sentimento que corria sem palavras para defini-lo. Há tempos sem desejo de postar, sem ter condições de expressar o que me inquieta a alma nesse momento, me deparo com essa tradução de mim. Na impossibilidade de encontrar o que coubesse, o que vestisse esse meu sentir tão despido de expressão que o traduzisse, encontro a roupa certa e penso que agora posso partilhar sem correr o risco de não estar sendo inteira. Fiquei sem fôlego ao encontrar a bem dita palavra que me dizia. Bendita seja Clarice Lispector; bendita seja a minha verdade que um dia a habitou e me alcançou nesse momento, dando alento ao que carecia de definição. Como não sou única a perder momentaneamente “aquela” palavra, espero que essa carta alcance outros endereços, outras almas, outros corações.
“Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro... há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito.
Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...
Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força.
Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você -respeite sobretudo o que imagina ser ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver.
Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão.
Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é desistir de si mesma." ( Clarice Lispector - carta enviada à irmã - Paris, 1947 )